sábado, 20 de dezembro de 2008

O amor

O Amor não conhece meio termos; ou perde, ou salva. Nesse dilema se resume todo o destino do homem: ou a perda, ou a salvação: nenhuma outra fatalidade no-lo apresenta com tamanha inexorabilidade como o amor. O amor é vida quando não é morte. É berço e túmulo. O mesmo sentimento diz sim e não no coração do homem. De todas as coisas feitas por Deus, o coração humano é a que desprende mais luz e mais trevas.

Victor Hugo em Os Miseráveis

Mentiras

As mentiras, ao contrário do que se apregoa, não são todas iguais. Existem mentiras inescrupulosas, malvadas, perniciosas, pecaminosas; mas e as outras? O que dizer das mentirinhas amorosas, aquelas que nascem de lábios apaixonados? Quando os namorados sussurram, saudades não tão intensas se colorem de encarnado. E toda e qualquer frase se transforma em uma declaração arrebatadora.
Não há como condenar um pai, que mesmo ansioso por um descanso, finge-se disposto e vai brincar com os filhos. Quem poderia acusar a mãe que lê uma historinha e faz de conta que acredita em fadas? As mentiras que nascem do zêlo também não merecem o desprezo que geralmente lhes damos. “Engordei?” Nessa hora, homem nenhum pode responder com absoluta honestidade. Um lânguido “nem tanto”, é o máximo que deve ousar. Verdade é uma virtude que não existe sozinha, mas que tem de vir precedida pela graça. A graça que prefere o amor à justiça; que não teme ser rotulada como inconstante, desde que expresse misericórdia; que sabe encobrir com o intuito de proteger. Os Provérbios da Bíblia não condenam todas as mentiras: “O ódio espalha dissensão, mas o amor esconde os pecados" (10.12).E as mentiras médicas? Quem não se valeu delas? “Ainda não vai ser desta vez”, afirma até o mais criterioso diante do paciente que acabou de ser desenganado. “Vamos entrar no quarto, mas nada de choro; temos de manter uma atitude otimista para não abatê-lo mais”. Assim, os parentes se posicionam diante do doente e todo mundo disfarça. Os sorrisos ensaiados e as conversas “amenas” não passam de eufemismos; tudo mentira. Se a visita ao hospital vira farsa, todavia, uma farsa caridosa.
Que tal as mentiras poéticas? Os mais exímios mentirosos são os poetas. Eles sabem transformar sentimentos banais em amor inflamado; tingem as palavras com adjetivos e realçam as paixões; inflamam os romances; fomentam os chamegos; adensam os carinhos. Na poesia o amante faz-se escravo e a amada, rainha. O poeta é um fingidor, mas nem sempre se dá conta que a sua malicia enriquece a vida.
A Bíblia relata, sem censurar, as mentiras de vários heróis. Jacó ganhou a primogenitura enganando o pai (Gn. 27). Tamar, uma das ancestrais de Jesus, só conseguiu engravidar porque se travestiu de prostituta e enlaçou Judá (Gn 38). José ludibriou a família já que não queria revelar imediatamente a identidade (Gn42). O rei Davi fez-se de doido para escapar do ódio de Aquis, rei de Gate (1Sm 21). Rute passou a perna em Boaz, salvou-se e garantiu a genealogia do Messias (Rt 3).Impossível defender o dolo, a injúria, a impostura. Certamente o mentiroso não se sentará na roda dos justos. O farsante, o hipócrita, o maldoso que gagueja, merecem um fim semelhante aos ímpios.Porém, não há como negar: a humanidade não sobreviveria sem o recurso da mentira. Portanto, menos farisaísmo, por favor!

Ricardo Gondim

Casamento

Não é bom que o homem esteja só. Far-lhe-ei uma companheira que lhe seja suficiente. Gênesis 2.18

Venho me perguntando o que faz as pessoas optarem pelo casamento se contam com outras alternativas para a vida a dois. A justificativa mais comum para o casamento é o amor. Mas devemos considerar que amor é uma experiência cuja definição está em xeque não apenas pela quantidade enorme de casais que “já não se amam mais”, como também pelo número de pessoas que se amam, mas não conseguem viver juntas. Talvez por estas duas razões – o amor eterno enquanto dura e o amor incompetente para a convivência – nossa sociedade providenciou uma alternativa para suprir a necessidade afetiva das pessoas: relacionamentos temporários em detrimento do modelo indissolúvel. Mas, mesmo assim, o número de pessoas que optam pelo casamento em sua forma tradicional, do tipo “até que a morte vos separe” cresce a cada dia. Acredito que existe uma peça do quebra cabeça que pode dar sentido ao quadro. Trata-se da urgente necessidade de desmistificar este conceito de amor que serve de base para a vida a dois. Afinal de contas, o que é o amor conjugal? Para muitas pessoas, o amor conjugal é confundido com a paixão. Paixão é aquela sensação arrebatadora que nos faz girar por algum tempo ao redor de uma pessoa como se ela fosse o centro do universo e a única razão pela qual vale a pena viver. Esta paixão geralmente vem acompanhada de uma atração quase irresistível para o sexo, e não raras vezes se confunde com ela. Assim, palavras como amor, paixão e tesão acabam se fundindo e tornando-se quase sinônimas. Este conceito de amor justifica afirmações do tipo “sem amor nenhum casamento sobrevive”, “sem paixão, nenhum relacionamento vale a pena”, “é o sexo apaixonado que dá o tempero para o casamento”. Minha impressão é que todas estas são premissas absolutamente irreais e falsas. Deus justificou a vida entre homem e mulher afirmando que não é bom estar só. Nesse sentido, casamento tem muito pouco a ver com paixão arrebatadora e sexo alucinante. Casamento tem a ver com parceria, amizade, companheirismo, e não com experiências de êxtase. Casamento tem a ver com um lugar para voltar ao final do dia, uma mesa posta para a comunhão, um ombro na tribulação, uma força no dia da adversidade, um encorajamento no caminho das dificuldades, um colo para descansar, um alguém com celebrar a vida, a alegria e as vitórias do dia-a-dia. Casamento tem a ver com a certeza da presença no dia do fracasso, e a mão estendida na noite de fraqueza e necessidade. Casamento tem a ver com ânimo, esperança, estímulo, valorização, dedicação desinteressada, solidariedade, soma de forças para construir um futuro satisfatório. Casamento tem a ver com a certeza de que existe alguém com quem podemos contar apesar de tudo e todos ... a certeza de que, na pior das hipóteses e quaisquer que sejam as peças que a vida possa nos pregar, sempre teremos alguém ao lado. Nesse sentido, não é certo dizer que sem amor nenhum casamento sobrevive, mas sim que sem casamento nenhum amor sobrevive. Não é certo dizer que sem paixão, nenhum relacionamento vale a pena, mas sim que sem relacionamento nenhuma paixão vale a pena. Não é o sexo apaixonado que dá o tempero para a vida a dois, mas a vida a dois que dá o tempero para o sexo apaixonado. Uma coisa é transar com um corpo, outra é transar com uma pessoa. Quão mais valiosa a pessoa, mais prazeroso e intenso o sexo. Quão menos valorizada a pessoa, mais banal a transa. Assim, creio que podemos resumir a vida a dois, entre homem e mulher, conforme idealizada por Deus, em três palavras que descrevem um casal bem sucedido... Um casal bem sucedido é um par de amantes. Um casal bem sucedido é um par de amigos. Um casal bem sucedido é um par de aliados. São três letras A que fornecem a base de uma relação duradoura. Amante se escreve com A. Amigo se escreve com A. Aliado se escreve com A. E não creio ser mera coincidência o fato de que todas as três, amante, amigo e aliado, se escrevem com A... A de AMOR.


Ed Rene Kivitz

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Meu coração fica junto ao coração dela...

“A boca fala do que está cheio o coração”: esse é um ditado da sabedoria judaica, que se encontra nas Escrituras Sagradas. Bem que poderia ser a explicação sumária daquilo que a psicanálise tenta fazer: ouvir o que a boca fala para se chegar ao que o coração sente. Acontece comigo. Cada texto é uma revelação do coração de quem escreve.
Pois o meu coração ficou cheio com uma coisa que me disse minha neta Camila, de onze anos. O que ela falou fez meu coração doer. Como resultado fico pensando e falando sempre a mesma coisa.
A Camila estava na sala da televisão sozinha, chorando. Fui conversar com ela para saber o que estava acontecendo. E foi isso que ela me disse: “Vovô, quando eu vejo uma pessoa sofrendo eu sofro também. O meu coração fica junto ao coração dela...”
Percebi que o coração da Camila conhecia aquilo que se chama “compaixão”. Compaixão, no seu sentido etimológico, quer dizer “sofrer com”. Não estou sofrendo. Mas vejo uma pessoa sofrer. Aí eu sofro com ela. Ponho o outro dentro de mim. Esse é o sentido do amor: ter o outro dentro da gente. O apóstolo Paulo escreveu que posso dar tudo o que tenho aos pobres, mas se me faltar o amor, nada serei. Porque posso dar com as mãos sem que o coração esteja a sentir. A compaixão é uma maneira de sentir. E dela que brota a ética. Alguém foi se aconselhar com Santo Agostinho sobre o que fazer numa determinada situação. Ele respondeu curto e definitivo: “Ama e faze o que quiseres.” Pois não é óbvio? Se tenho compaixão nada de mal poderei fazer a quem quer que seja.
Fernando Pessoa escreveu um curto poema em que descreve a sua compaixão. Por favor, leia devagar: “Aquele arbusto fenece, e vai com ele parte da minha vida. Em tudo quanto olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo. Nem distingue a memória do que vi do que fui”. Compaixão por um arbusto... Ele explica esse mistério da alma humana dizendo que “em tudo quando olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa passo...” Os olhos, movidos pela compaixão, o faziam participante da sorte do pequeno arbusto...
Eu já sabia disso. Mas nunca havia enchido o meu coração ao ponto de doer. Doeu porque liguei a fala da Camila a essa tristeza que está acontecendo no Brasil.
Os corruptos são homens que passaram pelas escolas, são portadores de muitos saberes. Tendo tantos saberes, o que lhes falta? Falta-lhes compaixão.
A falta de compaixão é uma perturbação do olhar. Olhamos, vemos, mas a coisa que vemos fica fora de nós. Vejo os velhos e posso até mesmo escrever uma tese sobre eles, se eu for um professor universitário. Mas a tristeza do velho é só dele, não entra dentro de mim. Durmo bem. Nossas florestas vão aos poucos se transformando em desertos mas isso não me faz sofrer. Não as sinto como uma ferida na minha carne. Vejo as crianças mendigando nos semáforos mas não me sinto uma criança mendigando num semáforo. Vejo os meus alunos nas salas de aulas, mas meu dever de professor é dar o programa e não sentir o que os meus alunos estão sentindo.
De que vale o conhecimento sem compaixão? Todas as atrocidades que caracterizam os nossos tempos foram feitas com a cumplicidade do conhecimento científico. Parece que a inteligência dos maus é mais poderosa que a inteligência dos bons.
Sabemos como ensinar saberes. Há muita ciência escrita sobre isso. Mas não me lembro de nenhum texto pedagógico que se proponha a ensinar a compaixão. Talvez o livrinho de Janucz Korczak Como amar uma criança . Mas Korczak é uma exceção. Ele sabia que para se ensinar algo a uma criança é preciso amá-la primeiro. Korczak era um romântico... Por isso o amo...
Aí fiz a mim mesmo uma pergunta pedagógica: “Como ensinar a compaixão? Conversando sobre isso com minha filha Raquel, arquiteta, ela se lembrou de um incidente dos seus primeiros anos de escola, quando menina de sete anos. Seria o aniversário da faxineira, uma mulher que todos amavam. A classe se reuniu para escolher o seu presente. Ganhou por unanimidade que, no dia do seu aniversário, as crianças fariam o seu trabalho de faxina. Disse-me a Raquel que a faxineira chorou...
Sei que as crianças aprendem com o olhar, o olhar das professoras. Elas sabem quando as professoras as olham com os mesmos olhos com que Fernando Pessoa olhava o arbusto. Sei também que as estórias provocam compaixão, quando o leitor se identifica com um personagem. Sei de um menininho que se pôs a chorar ao final da estória O patinho que não aprendeu a voar. Ele teve compaixão do patinho. Identificou-se com ele. Vai carregar o patinho dentro de si embora o patinho não exista. Lemos estórias para as crianças e para nós mesmos não só para ensinar a língua mas para ensinar a compaixão.
Mas continuo perdido. Preciso que vocês me ajudem. Como se pode ensinar a compaixão?

Rubem Alves

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Boa canção!

http://www.youtube.com/watch?v=c1iItWDDjhQ#

2008 terá um segundo a mais. Aproveitem...

O último minuto de 2008 terá 61 segundos para corrigir uma pequena anomalia entre os relógios atômicos e o tempo astronômico, baseado na rotação da Terra. Essa intervenção já foi feita 23 vezes, em intervalos que variaram de seis meses a sete anos. O último segundo extra foi adicionado em 31 de dezembro de 2005 -- três anos atrás.
Tudo surgiu quando a Terra passou a fazer o movimento de rotação mais lentamente. Com isto, o dia passou a ter um tempo maior. E os segundos, baseados nas 24 horas do dia perdeu a medida. Portanto, agora os segundos passam a ser contados de acordo com a velocidade de rotação do planeta.
Os segundos intercalares são usados para manter alinhado o Tempo Universal Coordenado (UTC) com as escalares astronômicas variáveis GMT e Hora Universal (UCI).
Entretanto, a União Internacional de Telecomunicações propôs abolir estes segundos intercalares e acrescentar em troca uma hora a cada 600 anos aproximadamente, informa o semanário "New Scientist".
Isto teria repercussões importantes para o Reino Unido, pois a hora referida ao meridiano de Greenwich (GMT) perderia seu atual status internacional como a região na qual a hora local coincide com a hora universal por meio da qual se acertam todos os relógios.
Esta zona de hora ou tempo universal iria se deslocando para o leste em direção a Paris durante centenas de anos antes de voltar outra vez para Greenwich, localidade próxima a Londres.
A mudança proposta significaria também que, pela primeira vez, a hora oficial não estaria vinculada à rotação astronômica da Terra.
Em vez de segundos, minutos e horas serem reguladas pelo tempo de rotação da Terra, seriam medidos exclusivamente pelas oscilações de átomos de césio.
"Esta mudança teria profundas implicações culturais", afirma Robert Massey, da Royal Astronomical Society.
Também teria implicações para os astrônomos, que teriam que modificar o software operacional de seus telescópios.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A vida como ela é


Meritocracia

"No mês de julho, foram disputados os Jogos Olímpicos escolares: QUÍMICA, FÍSICA, BIOLOGIA E MATEMÁTICA. Das 142 medalhas de ouro distribuídas nessas competições, o Brasil ganhou... zero."

As desigualdades que se acentuaram ao longo de governos autoritários parecem ter originado a idéia estapafúrdia de que, em uma democracia, os cidadãos devem ser iguais. Não tratados da mesma maneira: pelo contrário, tratados de maneira desigual, para que no resultado final se estabeleça a igualdade. Como é impossível elevar todos aos píncaros da glória, já que as aptidões individuais são diferentes, o objetivo passa a ser a mediocrização total. Por isso a palavra-chave dos tempos que correm é a "inclusão", e não o "mérito": para trazer todos à média, é preciso focar a atenção nos deficientes e ignorar – quando não reprimir – os talentosos.Esse é sem dúvida um traço cultural, difuso, do brasileiro. Mas não há dúvida quanto ao locus no qual essa mentalidade é mais amplamente difundida e inculcada: a nossa escola. Há leis sobre o acolhimento de crianças com deficiências físicas e mentais na sala de aula; há preocupação com a questão dos excluídos no programa de livros didáticos do MEC, até da área de ciências. Mas não existe nenhuma preocupação oficial com a identificação e o desenvolvimento daquilo que o país tem de mais precioso: grandes mentes. Pelo contrário: quando esses esforços existem, normalmente vindos da iniciativa privada, são rechaçados pelos políticos dos mais diversos matizes. Quando uma ONG chamada Ismart, capitaneada por Marcel Telles, quis institucionalizar seu programa de bolsas a jovens talentos pobres de São Paulo, ouviu do então secretário estadual, Gabriel Chalita, que o instituto estava proibido de aplicar suas provas na rede estadual para descobrir os talentos e também de divulgar a iniciativa. Caberia à secretaria, com seus métodos e em privado, identificar os candidatos. Na secretaria municipal da gestão Marta Suplicy a recomendação foi mais direta: se havia uma preocupação com os alunos fora de série, por que não focar naqueles com síndrome de Down? Não é por acaso que o nosso censo escolar identifica míseros 2 553 alunos superdotados em um universo de 56 milhões de estudantes da educação básica: é preciso uma cegueira proposital para ver tão pouco.A ojeriza à meritocracia em nossas escolas vem sob a desculpa de que a competitividade pode causar profundos danos à psique das crianças. Um sistema educacional como o chinês, em que os melhores alunos de cada sala são identificados publicamente – em algumas escolas, através do uso de lenços coloridos – e posteriormente transferidos às melhores escolas, desperta em nossos professores os seus instintos mais primitivos. Freqüentemente ouve-se que sistemas assim levam as crianças ao suicídio, depressão etc. É a senha para que criemos uma escola inclusiva, afetiva, que cria seres felizes e éticos. É uma empulhação sem tamanho. A literatura empírica educacional aponta o benefício de o aluno fazer dever de casa e ser avaliado constantemente, por exemplo. Práticas malvistas por nossos professores, porque supostamente significariam acabar com o componente lúdico da infância e, com certeza, roubariam o tempo lúdico do professor. Pior ainda: a suposta escola do afeto e da felicidade produz muito mais miséria, e por período bem mais longo de tempo, do que as agruras de um sistema meritocrático que premia o trabalho. O que é melhor: "sofrer" por algumas horas por dia na infância estudando com afinco e ter uma vida próspera e digna ou passar a juventude em brincadeiras e amargurar toda uma vida na humilhação do analfabetismo, do subemprego e da pobreza? Qual a sociedade que produz menos violência e infelicidade: aquelas em que os alunos brincam ou aquelas em que estudam?Enquanto prepararmos a futura geração para que escolha entre o sucesso e a felicidade, o Brasil permanecerá sem os dois.

Preparados para perder


O Brasil foi excepcionalmente bem nos últimos Jogos Olímpicos. Com catorze medalhas de ouro, ficamos em 14º lugar – destaque para o nadador Clodoaldo Silva, seis ouros. Infelizmente falamos da Paraolímpiada de Atenas já que, na última Olimpíada convencional, o Brasil teve desempenho pífio: três ouros, 23ª posição, atrás de países como Jamaica, Quênia e Etiópia. Creio que essa diferença de performance entre os dois tipos de competição não seja totalmente acidental.
As razões costumeiras não parecem explicar bem os motivos do nosso fracasso. O primeiro vilão apontado é a nossa pobreza. Mas o Brasil é hoje a
décima economia do mundo, não a 23ª.
A segunda razão comumente apontada é o pouco investimento em esporte no país. Em 2008, não foi o caso. Segundo a Folha de São Paulo
, apenas o governo federal investiu 1,2 bilhão de reais em esportes olímpicos desde Atenas.
A impressão que ficou de nossos atletas é que seus fracassos se deveram mais a questões psicológicas do que financeiras ou estruturais. E isso importa não por causa da Olimpíada, que tem valor apenas simbólico, mas porque essa mentalidade se reproduz em toda a vida nacional, com conseqüências reais.
Não temos apenas carências materiais a nos complicar a vida: temos uma cultura que abomina a competitividade, desconfia dos vitoriosos e simpatiza com os fracassados. Quando o nadador César Cielo, não por acaso treinado nos EUA, declarou que iria em busca do ouro, o desconforto dos comentaristas televisivos foi audível: muita saliva gasta para deixar bem claro que se tratava de "autoconfiança" e não "arrogância". Porque melhor um bronze humilde do que um ouro arrogante! Se Michael Phelps tivesse nascido no Brasil, seria provavelmente exilado ao declarar a intenção de bater o recorde de medalhas em uma Olimpíada. Só num país de perdedores uma classificação para final olímpica é vista como "garantia de prata", e não uma chance de 50% de ouro. Só no Brasil se ouvem atletas dizendo que o bronze valeu ouro, só aqui se vê um chororô constante e público de favoritos que foram vencidos por seus nervos. Só aqui um atleta como Diego Hypólito, depois de cair sentado em sua competição e ainda ter a pachorra de culpar os céus ("Deus não quis. Deus decidiu isso."), é recebido com festa e escola de samba. Nós nos preocupamos mais em ser campeões morais do que campeões de fato. Valorizamos o esforço mais do que o resultado. Acreditamos que o sofrimento do percurso redime o fracasso da chegada, ao contrário dos países que dão certo, em que o sucesso do resultado é que redime o sofrimento do percurso.
Gustavo Ioschepe